sexta-feira, 15 de maio de 2009





Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor à procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa, amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita

Carlos Drummond de Andrade

"Há tanta suavidade em nada se dizer e tudo se entender..."




— E você, por que desvia o olhar?

(Porque eu tenho medo de altura. Tenho medo de cair para dentro de você. Há nos
seus olhos castanhos certos desenhos que me lembram montanhas,
cordilheiras vistas do alto, em miniatura. Então, eu desvio os meus
olhos para amarra-los em qualquer pedra no chão e me salvar do amor.
Mas, hoje, não encontraram pedra. Encontraram flor. E eu me agarrei às
pétalas o mais que pude, sem sequer perceber que estava plantada num
desses abismos, dentro dos seus olhos.)


— Ah. Porque eu sou tímida.


Rita Apoena